sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Tempo de aprender: jovens e adultos reencontram a oportunidade de estudar

Para a aposentada Maria Martins, “uma pessoa que não sabe ler e escrever é como um cego que só enxerga o suficiente para caminhar”
O programa Brasil Alfabetizado, do Ministério da Educação, representa uma nova oportunidade de frequentar à escola para quem não conseguiu estudar na adolescência. Em Canguçu, foram formadas 11 turmas para educação de jovens e adultos em outubro. Na turma de 15 alunos que se reúne três vezes por semana no bairro Vila Nova, em uma sala improvisada na creche Madre Madalena, a história de cada um deles apresenta semelhanças: a maioria precisou trocar os livros pelo trabalho desde muito cedo. Alguns, jamais entraram em uma escola. Mas, há pouco mais de dois meses, eles se apegaram a uma nova oportunidade. O projeto de alfabetização tem mudado a vida destas pessoas, a maioria delas com mais de 50 anos e família formada. São pais, mães, avôs e avós que encontram tempo após a jornada de trabalho para aprender. “Eles vêm para a aula com perspectiva de melhorar a vida, de realizar sonhos: uns desejam tirar carteira de habilitação, outros querem ler a Bíblia”, exemplifica a professora Loeci Furtado Vilela, que tem mais de 8 anos de experiência na alfabetização de jovens e adultos.
Seu Noeli Cavalheiro é um exemplo de persistência. Aos 74 anos, trabalha como pedreiro, muitas vezes em empreitadas na zona rural. Mesmo cansado, ele dificilmente falta às aulas, segundo a professora. “Me sinto bem aqui, Converso com os colegas e vejo que estou aprendendo mais”, diz o aluno. O casal de aposentados Jesus da Silva, 75 anos, e Maria Martins, 70, vai junto para a aula. Ele jamais havia entrado em uma sala de aula. Dona Maria frequentou um projeto semelhante, chamado “Todas as Letras”, há 7 anos, que foi interrompido e deixou dezenas de alunos sem poder continuar estudando. O aprendizado que teve naquele período foi suficiente para se tornar mais independente. “Eu tinha dificuldade para identificar as lojas e consultórios médicos onde precisava entrar.Com o que aprendi até aqui, já não tenho mais este problema. Me sinto realizada”, conta dona Maria. “Uma pessoa que não sabe ler e escrever é como um cego que só enxerga o suficiente para caminhar”, resume a dona de casa, famosa no bairro Vila Nova pela produção de rapadurinhas de amendoim e de leite.
A doméstica Eluza Furtado, 50 anos, recentemente fez o pedido de uma nova carteira de identidade. Desta vez, ela assinou o nome no documento. Foi uma conquista pessoal. A rotina de trabalho dela inclui diversas idas ao mercado durante a semana. “Eu tinha dificuldade para diferenciar os produtos na prateleira e escolher qual era indicado para limpeza do banheiro ou para limpeza da cozinha, por exemplo. Precisava pedir ajuda para os funcionários do mercado”, recorda. A dificuldade aumentava na hora de pagar e conferir o troco. “Agora vou ao mercado, entrego o dinheiro e sei exatamente quanto devo receber de troco”, comemora. De história sofrida, a dona de casa Cleuza Farias Souza, 57, viu no encontro com os colegas uma forma de fugir dos dramas enfrentados na vida. Ela perdeu um filho de três anos de idade em um acidente doméstico. A dor foi prolongada pela morte do marido, poucos anos depois. “Estudei até os 12 anos e fui tirada da escola para ajudar no trabalho da lavoura. Gosto de vir para a aula, de conversar com os colegas”, revela dona Cleuza, que em algumas aulas tem a companhia da neta de 4 anos, uma das suas incentivadoras. “É muito gratificante poder interferir de forma positiva na vida de pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar. Vejo que os alunos estão progredindo e melhorando de vida. Eu também aprendo com eles”, diz a professora Loeci.
Das 11 turmas espalhadas pelo município, duas ficam na cidade: além desta, há um grupo de alunos estudando no bairro Izabel e outro no Presídio Estadual, no bairro Triângulo. Na zona rural foram formados quatro grupos no 5º Distrito e três no 3º Distrito. Na Lacerda, 1º Distrito, os internos do Lar de Idosos Bom Samaritano também integram o projeto.  André Santos é o coordenador de cinco das 11 turmas. Ele apoia os trabalhos desenvolvidos nos bairros Vila Nova e Izabel, duas turmas na localidade do Santo Antônio e uma na Boa Vista, ambas no 3º Distrito. “Os alunos têm seus compromissos e frequentam as aulas porquê gostam deste ambiente. Aqui, eles aprendem a ler, a escrever e encontram amigos”, avalia Santos. Após ver o andamento das turmas que coordena, ele aposta que o projeto vai se tornar mais sólido em 2014. “Hoje temos cerca de 110 alunos em sala de aula. Acredito que podemos dobrar este número no próximo ano, pois, ao identificar que há continuidade, os alunos se sentem mais motivados e incentivam os amigos a voltarem para a escola”, projeta o coordenador. André Santos afirma que o 1º ciclo do programa Brasil Alfabetizado será concluído em maio de 2014. Após esse período, haverá uma avaliação de cada turma para identificar quais alunos precisam continuar estudando. Aqueles que apresentarem bom desempenho podem ser encaminhados para avançar de etapa e poderão ser inscritos em programas como a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Fonte: http://www.cangucuonline.com.br/index.php?menu=noticia&categoria=13&noticia=8183